sábado, 24 de abril de 2010

Assistente social relata experiência no Haiti (Documentário)


Arroio do Tigre

Haitiano é retirado vivo dos escombros quase 1 mês depois de terremoto

A repetição diária de alagamentos, enxurradas, deslizamentos de terras, pessoas desalojadas, mortes, terremotos e catástrofes tomaram conta dos noticiários e amedronta as pessoas, principalmente com a proximidade e o envolvimento da região nos fatos. Os problemas nos últimos meses também atingiram o Vale do Rio Pardo e o Centro-Serra, com as fortes chuvas. E no final de janeiro houve o drama dos turistas que ficaram ilhados em Machu Picchu, no Peru.

Em meio a tudo isso, surgem exemplos de vida e trabalho de quem viveu durante cinco anos no Haiti, país devastado no início do ano por um terremoto – principalmente na capital, Porto Príncipe – que matou milhares de pessoas. A arroio-tigrense Maria de Lourdes Hackenhaar, 58 anos, assistente social do município e técnica em enfermagem, possui em seu currículo de vida uma experiência pelo país da América Central.

Em 1994, com a guerra civil no Haiti e a derrubada do presidente Jean Beltran Aristides, a irmã brasileira Santina Perin, amiga de Maria de Lourdes e que trabalhava naquele país, não suportava ver a ditadura e as matanças desenfreadas de pessoas inocentes e lideranças do povo. “Com freqüência, os meios de comunicação mostravam as imagens cruéis e os cadáveres de humanos apodrecendo nas ruas, sendo devorados por urubus e porcos”, lembra Maria. Inconformada com a situação, a irmã Santina, com dois sacerdotes de países vizinhos, tomou uma atitude e foi para o alto- mar, num barco com os fugitivos haitianos. Ela denunciou para as autoridades do mundo a situação interna do Haiti, através de mensagens e notas enviadas ao Itamaraty e Marinha Americana.

Diante dessa situação, Maria de Lourdes explica que Santina ficaria impedida de retornar ao Haiti. “O projeto iniciado pelas irmãs brasileiras naquele país estava prejudicado e seria necessária outra irmã para compor a equipe. Assim, movida pela realidade e por um grande apelo interior de somar e contribuir com aquele povo renunciei a tudo e imediatamente, em concordância com as irmãs superioras, procurei cursos de língua francesa para viajar ao Haiti”, explica. A assistente social participou de um curso em Brasília. Depois disso, seguiu viagem para o Piauí a fim de fazer o processo de adaptação ao calor.

Maria de Lourdes embarcou no dia 8 de março de 1995, consciente de que permaneceria no Haiti por cinco anos, sem retorno, e que seria um “morrer e renascer novamente”. Isto é, seria necessária a adaptação a uma nova cultura, costume e língua (o Kreyol).
MARCAS DA POBREZA ESTÃO EM TODAS AS ÁREAS DO PAÍS

Maria de Lourdes passou a integrar uma equipe técnica no Haiti, formada por 40 pessoas entre agrônomos, técnicos agrícolas, médicos, enfermeiras e técnicos em gerenciamento do projeto de desenvolvimento aos pequenos agricultores Pred/Karitas. Ela passou a residir na cidade de Jeremie, no extremo sul do Haiti. “Ao chegar, o diretor, um padre haitiano (sociólogo), aconselhou-me com três palavras: paciência, paciência e paciência. A inserção naquele país foi muito gratificante, foi na verdade ‘um renascer de novo’”, conta. A assistente social trabalhou com agricultores e jovens.

A arroio-tigrense também ressalta as características da cultura e costumes no Haiti. “Lá as terras são montanhosas. Os haitianos cozinham a base de carvão e acabam desmatando. A alimentação é uma vez ao dia e o almoço é feito por volta das 16 horas. Também existem grandes erosões. Para plantar milho, por exemplo, não se encontra chão; eles colocam as sementes entre as pedras. A forma de cozinhar é embaixo de uma árvore, em panelões. Também tem muita comida estragada, cheguei a ter intoxicações alimentares. Existem muitos rios e montanhas. Para caminhar, usa-se um bastão por causa dos pedregulhos. Uma das diversões dos jovens são os acampamentos nas matas.”

De acordo com a assistente social, a saúde é um caos. “Não existe saúde pública no Haiti. Eles se baseiam na ação curativa de chás. Se estes não dão resultado, consideram a pessoa sem condições de vida. Nesse caso, ela é deitada no chão batido e deixada à espera da morte.”

Outra questão que chama atenção é a importância dada aos estudos. “A alegria dos haitianos é estudar e ter uma mochila nas costas. Mas as regras são rígidas. Em dia de prova, o diretor aguarda na porta de entrada e cobra uma mensalidade para fazê-la. Quem não pagar perde os estudos. As mães também acordam na madrugada, pois as crianças têm que chegar ao colégio com os cabelos trançados. Caso contrário, não são aceitas.”
CENÁRIO DE MISÉRIA
• Marca – O que mais marcou a arroio-tigrense foi à chegada no Haiti. “No aeroporto tinha vários homens esperando meu desembarque. Todos brigaram para carregar as sacolas e, com isso, ganhar uma gorjeta. Lá, os favores são cobrados. A haitiana que me recebeu deu gorjeta para três homens e os outros, quando saímos de carro, se seguraram no veículo impedindo nossa saída. Tivemos que parar e dar gorjeta para os demais.”
• Vínculo – Maria de Lourdes diz que, depois que passou a viver no Haiti, achou difícil se desvincular. “Eu criei um vínculo forte. É um povo alegre, festivo e todos vivem no mesmo nível.” Ela retornou ao Brasil em 2001, por problemas pessoais e familiares. Voltou à terra natal para um período de descanso e readaptação ao Brasil. “Nisso o prefeito de Sobradinho na época, Lademiro Dors, me procurou para trabalhar. Eu aceitei. Depois fiz concurso e vim para a Prefeitura de Arroio do Tigre.”
• Voltar – A arroio-tigrense quer retornar ao Haiti. Tanto que se inscreveu na Defesa Civil federal e na Secretaria de Saúde do Estado. “Tenho muita vontade de voltar. Sempre tive. O que está me bloqueando é a questão da aposentadoria.”
• Pobreza – Perguntada sobre o motivo da pobreza no Haiti, ela é enfática: “O país não tem estrutura econômica. Terra e ecologia é um caos. Só pedras. Há poucas várzeas, em que se produz arroz e banana. Não existem fábricas. Os haitianos vivem só do comércio (feiras)”. • Terremoto – Maria de Lourdes conta que o Haiti era muito bonito no passado. “Tinha pérolas antigas, praias. As referências principais foram para o chão. Hoje não há como conseguir recursos para reconstruir.”

Texto escrito por Magali Drachler

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